Entre o sagrado e o profano, discursiviza-se o Jesus gay: uma análise discursivo-materialista do processo judicial contra o Porta dos Fundos no caso do especial de Natal "A primeira tentação de Cristo" (2019)
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Resumo
Os Especiais de Natal ocupam um lugar de destaque na tradição televisiva brasileira, consolidando-se como um dos momentos mais aguardados da programação de fim de ano. Desse modo, tanto as emissoras de tv, como as plataformas de streaming preenchem suas grades e catálogos com filmes, séries ou programas voltados para a celebração do espírito natalino. Assim, no Natal de 2019, o grupo de humor Porta dos Fundos exibe seu Especial A Primeira Tentação de Cristo (2019). Produzido e disponibilizado pela Netflix, dirigido por Rodrigo Van der Put e com roteiro de Fábio Porchat e Gustavo Martins, a produção tem em seu elenco nomes conhecidos do humor nacional como o próprio Fábio Porchat, Gregório Duvivier, Evelyn Castro, Antônio Tabet, Evelyn Castro e Rafael Portugal. Apesar de recuperar uma memória sobre os Especiais de Natal, essa produção propõe um deslizamento do comumente esperado por esse tipo de programação ao discursivizar Jesus como um homem gay. Essa narrativa repercutiu em setores conservadores produzindo uma série de reações negativas que vão desde tentativas de boicote e um processo judicial até um atentado terrorista a sede do Porta dos Fundos. Em virtude disso, acredita-se que esse Especial foi um instaurador de discursividades que tencionou as relações entre o discurso católico e a homossexualidade. Sendo assim, entre essas discursividades, selecionou-se o processo judicial movido pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura que pediu a suspensão do referido Especial. Essa materialidade foi analisada com o objetivo de se compreender o processo discursivo que possibilitou a leitura da homossexualidade de Jesus, em A Primeira Tentação de Cristo, como uma imoralidade passível de censura. Dessa forma, o advogado Leonardo Caminho Camargo e a advogada Alexsandra do Lago Guimarães, que moveram, em nome da associação, o processo, foram analisados não enquanto indivíduos empíricos, mas a partir de suas posições discursivas de sujeito-advogado, clivado pelo sujeito católico, que possibilitam a ancoragem desse texto em uma dimensão material. Nessa esteira, o corpus analisado é composto de 7 sequências discursivas selecionadas com base no critério de instaurarem gestos de leitura sobre a relação entre o objeto simbólico Jesus e a homossexualidade. A pesquisa é fundamentada na Análise de Discurso materialista, desenvolvida por Michel Pêcheux (1997; 2014; 2015), além de estudos na área da Sociologia da Religião, de autores como Weber (2000, 2015) e Bourdieu (2007) e as reflexões sobre o dispositivo de sexualidade com Foucault (2024). Utilizou-se o método analítico próprio da teoria da Análise de Discurso materialista, que inclui o exame das condições de produção do discurso, formações discursivas e ideológicas, a atuação da memória discursiva no processo do interdiscurso e o próprio funcionamento discursivo. Por fim, as análises fizeram emergir que, além da ideologia católica, há, estruturando o processo discursivo da ação judicial, a ideologia homofóbica, que toma a homossexualidade como elemento desestabilizador da ordem de modo que os sentidos construídos de censura sobre Jesus gay se inserem no bojo da reprodução de ideologias conservadoras da heterossexualidade.